Como a Alemanha foi fundamental para impedir o controlo do chat - e como o nome contribuiu para isso.
Mais uma vez, a pressão do público levou a que os políticos parassem a sua tentativa de vigilância em massa - mas a luta continua!
O que é que aconteceu?
A 20 de junho, a Presidência belga do Conselho falhou a votação sobre o controlo do Chat, principalmente devido à oposição da Alemanha. As negociações entre os Estados-Membros da UE foram interrompidas porque se tornou evidente que a maioria necessária não seria alcançada. Por conseguinte, a Presidência decidiu retirar o ponto da ordem de trabalhos. Esta lei previa a obrigação legal de os fornecedores de serviços de conversação e de correio eletrónico verificarem todas as mensagens em busca de material pedopornográfico (CSAM), mesmo que os dados estivessem encriptados. Esta forma de vigilância em massa sem motivo teria sido a primeira nas democracias ocidentais, mas as nações dos Cinco Olhos estariam ansiosas por seguir o exemplo.
A Alemanha e a Polónia opuseram-se fortemente ao Chat Control, que teria permitido a varredura do lado do cliente na UE - um método ao qual a Alemanha se tem oposto desde o início de 2023, afirmando que “não há acusação a qualquer custo”. Além disso, houve abstenções da Estónia, dos Países Baixos, da Eslovénia, da República Checa e da Áustria. A população dos países que aprovaram a proposta ascendia a 63,7% dos cidadãos da UE - dos 65% necessários. Foi uma decisão muito renhida!
Há dois anos que os Estados-Membros da UE tentam chegar a acordo sobre uma posição comum. A nova votação foi agendada porque a França deixou a minoria de bloqueio, afirmando que poderia votar a favor ou bater o pé. No entanto, mesmo com a França a mudar de ideias, não foi possível alcançar a maioria.
Esta é a segunda vez que os Estados da UE não conseguem chegar a acordo sobre o controlo do chat. Em dezembro, a Espanha já tinha falhado, tal como agora a Bélgica.
Uma das razões para o controlo do chat estar novamente fora de questão é a enorme oposição que enfrenta por parte do maior Estado-Membro da UE: a Alemanha.
A 18 de junho, os políticos alemães publicaram uma carta aberta com o título: “Aviso contra o controlo do chat”. Estavam convencidos de que as medidas propostas eram incompatíveis com os direitos fundamentais europeus, segundo a carta. Apelam a que
”os governos nacionais a defenderem uma comunicação segura, uma encriptação forte e a privacidade digital e, por conseguinte, a rejeitarem a atual proposta de compromisso da Presidência belga do Conselho”.
”A Presidência belga do Conselho da UE parece determinada a chegar a uma abordagem geral do altamente controverso Regulamento CSA, independentemente das consequências. Ao fazê-lo, está a pôr em risco a privacidade de todas as nossas comunicações. Estamos a opor-nos a estes planos numa carta aberta conjunta assinada por 36 deputados dos parlamentos nacionais da UE e das fileiras do Parlamento Europeu."
"É claro para nós que devemos combater a violência sexualizada contra crianças e a exploração de crianças, incluindo a disseminação de tal material, com determinação e de acordo com o Estado de direito. No entanto, se abordarmos esta importante questão em consonância com a Comissão Europeia, corremos o risco de não proteger as crianças nem de tornar os principais aspectos do regulamento compatíveis com os direitos fundamentais europeus."
"Estamos alarmados e receamos que a atual proposta do Conselho da UE venha simplesmente a minar a confidencialidade das comunicações privadas.”
O Ministro da Justiça alemão, Marco Buschmann, convocou uma iniciativa semelhante: Juntamente com quatro homólogos do Liechtenstein, Luxemburgo, Áustria e Suíça, escreveu uma carta aos ministros da Justiça dos países da UE pedindo-lhes que se envolvam na discussão contra o controlo das conversas - mesmo que sejam os ministérios do Interior a conduzir as negociações. A carta foi publicada na íntegra pelo site Netzpolitik.org.
”Os Ministros da Justiça sublinham a necessidade de uma ação decisiva para combater eficazmente esta situação. Ao mesmo tempo, nas sociedades liberais, a proteção da população contra a vigilância não provocada é um bem democrático elevado. Na nossa opinião, a atual proposta de regulamento não atinge o equilíbrio certo e pode até ser contraproducente para a proteção das crianças. Este facto foi recentemente confirmado por dois relatórios do Serviço Jurídico do Conselho e do Serviço Científico do Parlamento Europeu”.
Pouco antes da votação no Conselho da UE, Buschmann também tweetou:
“O #chatcontrol não deve ser aprovado! Não me parece que seja compatível com o Estado de direito liberal. Não significa outra coisa senão o controlo em massa de comunicações privadas sem motivo. É claro para mim que o governo alemão não vai concordar com o controlo das conversas”.
Depois de a votação ter sido cancelada, o eurodeputado tweetou:
“A votação sobre o #chatcontrol foi cancelada hoje. Os nossos esforços surtiram efeito: mais uma vez, não foi encontrada uma maioria suficiente de Estados-Membros a favor do controlo das conversas. Vamos continuar a trabalhar para garantir que o controlo das conversas não se concretize!”
Estes são apenas alguns exemplos da Alemanha que mostram como lutamos pelo nosso direito à privacidade - que também está consagrado na Constituição alemã. Afinal de contas, a Alemanha é um dos países com melhor legislação em matéria de proteção de dados.
A história da Alemanha e a cultura da privacidade
As experiências históricas da Alemanha com a vigilância do Estado, em especial durante o regime nazi e a Stasi na Alemanha de Leste, incutiram uma profunda aversão à intromissão do governo na vida privada. Estes traumas históricos conduziram a uma forte atitude cultural em relação à privacidade.
Para nós, na Alemanha, a privacidade não é apenas uma questão política; é uma questão da nossa liberdade pessoal e está intrinsecamente ligada à liberdade de expressão e aos nossos valores democráticos.
Oposição estratégica contra o Chat Control
A oposição da Alemanha ao Chat Control foi uma abordagem estratégica e multifacetada que envolveu várias partes interessadas, incluindo funcionários do governo, políticos e organizações da sociedade civil.
Ulrich Kelber, o antigo Comissário Federal para a Proteção de Dados e Liberdade de Informação da Alemanha, surgiu como um dos principais críticos do Chat Control desde o início. O gabinete de Kelber elaborou relatórios exaustivos que descreviam em pormenor as potenciais violações dos direitos fundamentais e as deficiências técnicas das medidas propostas. As suas declarações públicas e aparições nos meios de comunicação social ajudaram a galvanizar a oposição e a chamar a atenção para a questão.
O Parlamento alemão, ou Bundestag, também desempenhou um papel importante na oposição ao Chat Control. Uma coligação de partidos, com destaque para os Verdes e o Partido Democrático Livre (FDP), que fazem parte da coligação governamental, uniram-se contra a proposta. Esta é a mesma coligação que publicou um projeto de lei sobre o direito à encriptação, pelo que são fortes defensores da encriptação de ponta a ponta.
Atualmente, a Polónia e a Alemanha são os mais fortes opositores ao Chat Control. Exigiram da Direção-Geral responsável da Comissão Europeia, a DG HOME, a confirmação de que a futura lei seria compatível com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE. Até à data, a Comissão Europeia não o confirmou.
Sociedade civil e mobilização do público
A sociedade civil alemã é muito favorável à privacidade e muito ativa no combate a leis como a do Chat Control. Organizações como o Chaos Computer Club (CCC) e a Digitalcourage juntaram-se à conversa desde o início - ou seja, há mais de dois anos - e têm mantido a pressão sobre os políticos desde então. Além disso, empresas como a Tuta Mail e outras organizações que dão prioridade à privacidade ajudaram a aumentar a consciencialização. Petições, cartas abertas, manifestações e campanhas nas redes sociais destacaram os riscos associados à perigosa proposta e pressionaram os legisladores a tomar uma posição.
Os esforços de base destas organizações foram cruciais para criar uma ampla base de apoio contra o Chat Control. Educaram o público sobre as implicações da proposta e forneceram plataformas para os cidadãos expressarem as suas preocupações. Esta mobilização pública criou uma onda de oposição que foi difícil de ignorar pelos decisores políticos.
O que é que isto significa para o futuro?
O Conselho da UE só não conseguiu obter uma maioria para a votação de um único país da UE. Esta decisão apertada mostra que todos nós - organizações e sociedade civil - devemos manter-nos alerta e continuar a lutar pela privacidade e contra a vigilância em massa em todos os países da UE.
É provável que o dossiê vá parar à Hungria, que assume a presidência rotativa do Conselho da UE a 1 de julho. A Hungria tem sido a favor do Chat Control desde o início. Dado que a Hungria não pode ser considerada um modelo de democracia, os perigos do Chat Control devem tornar-se ainda mais visíveis para todos.
Apelamos a todos os cidadãos da UE, mas especialmente aos que residem nos seguintes países, para que não só contactem os seus representantes na UE, mas também os seus representantes locais, que podem influenciar os legisladores do seu país a defender a encriptação de ponta a ponta, tal como fizemos com a nossa carta aberta:
- Áustria
- República Checa
- Estónia
- Finlândia
- Finlândia
- Portugal
- Suécia
Agora, mais do que nunca, precisamos de manter a pressão, porque podem ter a certeza: Os políticos vão tentar impor novamente o controlo do chat.
Utilizar o nome: Controlo do chat
Quando falarem da chamada lei da “Moderação de Upload”, chamem-lhe “Controlo doChat”. Falámos com Patrick Breyer - o homem que cunhou o termo “controlo de conversação” - sobre o motivo pelo qual este nome é tão importante: Utilizando o nome “controlo de conversação”, toda a gente compreenderá num segundo o que está em causa nesta lei; trata-se de controlar as mensagens de conversação. Para terminar, toda a gente vai perceber que não devemos dar esse poder aos políticos ou às forças da ordem.
Pode também ver a nossa entrevista com Patrick Breyer no YouTube.
Os sites de notícias alemães, até o famoso Tagesschau, chamam agora à proposta “Chatkontrolle” - que significa em alemão “controlo das conversas”. Este facto teve um enorme efeito, não só no público em geral, mas também nos políticos. Quando se deixa de embelezar a lei e se lhe chama o que ela realmente significa - controlo de conversação - faz-se má figura!